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30 anos das eleições santistas de 1984: entrevista com Telma de Souza

"Lutamos e vencemos. 
Mas temos de estar vigilantes"
"A cidade havia sido amordaçada. O dia de voltar às urnas foi especial"
Há 30 anos os santistas puderam, finalmente, votar para prefeito, direito que havia sido tolhido pela ditadura militar em 1969. O Macuco Blog e o Ó Minha Santos conversaram, por facebook, com uma dos protagonistas daquele pleito de 1984: Telma de Souza, candidata a prefeita pelo PT (além dela, concorreram pela legenda Nobel Soares e Jessé Rebello; naquele pleito cada partido pôde ter mais de um postulante). Do total de 11 candidatos, Telma foi a terceira mais votada, com 34.252 votos. Em 1988, ela viria ser eleita prefeita; em 1992, faria seu sucessor (David Capistrano Filho, PT).

Macuco Blog | A senhora foi candidata a prefeita em 1984. Como foi a campanha eleitoral? Quais eram os principais temas, os principais desafios de Santos colocados em discussão na campanha?
Panfleto da campanha de 1984

Telma de Souza |
Após anos de ditadura promovida pelo golpe militar de 1964, com a consequente perda da autonomia política em 1969, as candidaturas do PMDB inverteram-se. Em 1968, o ainda MDB havia elegido Esmeraldo Tarquínio prefeito, que acabou cassado e não assumiu. Seu sucessor seria Oswaldo Justo, que se recusou a assumir nessas condições. Em 1984, Justo acabou eleito, com Esmeraldo Tarquínio Neto, filho do prefeito cassado, como vice. Depois de quase 20 anos, as coisas voltavam a seu devido lugar.  Em 1984, o PT saiu com sublegendas, sistema da época que permitia mais de um candidato à Prefeitura pelo mesmo partido. Representando as comunidades eclesiais de base, tivemos Jessé Rebello. Pelo setor portuário (fiéis de armazéns), Nobel Soares. E pelo setor independente do partido, eu.  Os principais temas e desafios da época, antes de tudo, eram a retomada da autonomia política e do direito ao voto. Tínhamos como meta retomar o crescimento da cidade que tinha, e até hoje tem, o maior porto da América Latina, diminuir o atraso a que fomos submetidos em razão da ditadura e, em particular, o resgate da cidadania.

Macuco Blog | Especificamente daquele 3 de junho de 1984, quais as lembranças que ainda guarda na memória? Como foi o dia, qual era o clima na cidade, que hora foi votar, como foi acompanhar a apuração, qual a reação diante do resultado das urnas...?

Telma | Fui eleita vereadora, pela primeira vez, em 1982. Posteriormente, fui eleita deputada estadual, em 1986, e prefeita, em 1988. Tudo isso sem nunca ter votado para presidente da República, o que viria a acontecer somente em 1989. Acordei cedo para votar, porque sempre tive muita satisfação de exercer este que foi um direito reconquistado com muito sacrifício, principalmente para nós, mulheres, que só tivemos direito a votar a partir de 1932. Naquele 3 de junho, o clima era de euforia. Tínhamos reconquistado a autonomia política, apesar de muitos terem conspirado contra, principalmente o ex-interventor Paulo Gomes Barbosa, último prefeito nomeado pelos militares.  Um ano antes, a cidade já estava no clima das Diretas Já, um movimento que cresceu e se concretizou em 1985. Muitos não queriam a autonomia. A cidade havia sido amordaçada por muitos anos. Tivemos o pesadelo do navio-prisão Raul Soares, onde pessoas eram torturadas. Eu, mesma, tive meu pai cassado pela ditadura, o ex-presidente da Câmara, João Inácio de Souza. Então, o dia em que as pessoas foram às urnas, em 1984, foi um dia especial, em que as pessoas sentiram o gosto de serem donas do próprio destino.  O resultado, como todos sabem, foi a eleição de Oswaldo Justo, pelo PMDB. [A votação do PT conquistada pelo PT] foi uma base importante para o nosso partido, que se fixava como a segunda força política da cidade. Quatro anos depois, conquistávamos a Prefeitura pela primeira vez. Após a posse de Justo, os jornais estamparam fotos de Paulo Barbosa estendendo a mão para o prefeito recém-eleito, que o cumprimentava a contragosto. A imagem eternizou o momento da transição entre a ditadura e a democracia em Santos. 

Macuco Blog |  Passados 30 anos, em sua avaliação o que mudou na sociedade santista em termos de mobilização popular, de participação na política? Os 20 anos de ditadura deixaram sequelas ainda sentidas?

Telma | A eleição de 1984 foi um momento de arrebatamento estimulado pelo clima das Diretas Já. [Depois, em 1988], o PT conquistou a Prefeitura de Santos, ao mesmo tempo em que o país voltava a ter o direito de escolher seu presidente. Lula e Collor concorriam [em 1989], justamente no ano em que consolidávamos a Constituição de 1988. A população estava motivada e mobilizada. Até a década de 1980, Santos era conhecida como a cidade vermelha. Com o tempo, isso foi se modificando. O processo de modernização dos portos, com o declínio da força do trabalhador avulso, foi determinante para isso. Em 1991, quando eu era prefeita, conseguimos parar a cidade e reverter as mais de 5 mil demissões de portuários, numa retaliação do governo Collor às greves que haviam ocorrido em Santos. Hoje, considerando os perfis dos governos que sucederam o PT na Prefeitura e a capacidade de mobilização popular, isso talvez seja impensável. O fim da ditadura militar, que ajudou a manter diversos setores da cidade mobilizados, também foi um fator a ser considerado. Lutamos e vencemos. Porém, temos de estar permanentemente vigilantes para que nunca mais tenhamos nossa democracia ameaçada. Assim será, para sempre.

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