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30 anos das eleições santistas de 1984: entrevista com Nobel Soares

 O caixão fúnebre que agitou a campanha
Resultado mostrou que Santos queria o fim da ditadura, diz Nobel
Há 30 anos os santistas puderam, finalmente, votar para prefeito, direito que havia sido tolhido pela ditadura militar em 1969. O Macuco Blog e o Ó Minha Santos conversaram, por facebook, com um dos protagonistas daquele pleito de 1984, Nobel Soares, candidato a prefeito pelo PT (além dele, concorreram pela legenda Telma de Souza e Jessé Rebello; naquele pleito cada partido pode ter mais de um postulante). Do total de 11 candidatos, Nobel foi o quinto colocado, com 6.631 votos.

Macuco Blog | O senhor foi candidato a prefeito naquele ano. Como foi a campanha eleitoral? Quais eram os principais temas, os principais desafios de Santos colocados em discussão na campanha? 

Nobel Soares | Em 1984, foram 11 os candidatos a prefeito de Santos. Na época, cada partido poderia apresentar até três candidatos a prefeito. E como que desejando compensar o período de intervenção militar em Santos - quando os prefeitos eram nomeados pela ditadura - houve uma ampliação do número de candidatos. Nós, os três candidatos pelo PT (que contava com dois vereadores na Câmara Municipal), defendíamos o fim da ditadura militar, e o respeito e garantia às liberdades. Também defendíamos um orçamento participativo, de modo a prestigiar investimentos nas áreas mais carentes da cidade, além do combate intransigente à corrupção. Nossa campanha eleitoral não dispunha de recursos financeiros para o seu custeio. Recordo-me que, devido à falta de recursos, improvisamos um veículo transportando um caixão fúnebre, caracterizado com palavras de ordem contra a ditadura militar. A urna fúnebre era transportada nas feiras livres por um grupo de militantes trajando vestes fúnebres e velas acesas. As pessoas se assustavam quando se deparavam com aquela cena. Sentindo-se incomodado, o prefeito nomeado, Paulo Barbosa, solicitou ao juiz eleitoral doutor José Ricardo Tremura a imediata apreensão do caixão, no que foi prontamente atendido pelo juiz eleitoral, o qual ordenou o seu depósito no Fórum de Santos. A ordem foi comunicada nas escadarias da Prefeitura, onde o veículo com o caixão se encontrava estacionado. Negociei com a PM para que nós mesmos levássemos o caixão até o juiz. Com a concordância da PM, seguimos em cortejo pela Rua João Pessoa, chamando a atenção das pessoas no centro da cidade. No Fórum, recordo-me que o Dr. Tremura, de quem fui aluno na Faculdade Católica de Direito de Santos, admoestou-me com a seguinte frase: “Meu filho, não foi isso que te ensinei na Faculdade!!!”. O caixão ficou recolhido no Fórum e nossa campanha sofreu uma grave baixa em sua publicidade. Havia na disputa eleitoral a presença e discussão de temas que distinguiam os candidatos a prefeito, destacando-se aqueles que combatiam rigorosamente o sistema, representados pelo PT; os que o defendiam, por meio do PDS (ex-Arena e hoje PP), e um grupo que deseja a redemocratização do país, porém de forma negociada, representado pelo PMDB e PDT. Venceu a disputa o PMDB, na pessoa do saudoso Oswaldo Justo.

Macuco Blog | Especificamente daquele 3 de junho de 1984, quais as lembranças que ainda guarda na memória? Como foi o dia, qual era o clima na cidade, que hora foi votar, como foi acompanhar a apuração, qual a reação diante do resultado das urnas...? 

Nobel Soares | O dia da eleição foi bastante tranquilo, com uma ampla participação dos eleitores que majoritariamente votaram pelo fim da ditadura militar, o que se comprova pela soma dos votos atribuídos aos candidatos do PMDB, PT e PDT que, cada qual a seu modo, combatiam o regime militar. Mas a festa foi para Oswaldo Justo, que de certa forma encarnava o combate à intervenção em Santos, tendo renunciado à sua posse na Prefeitura, na condição de vice-prefeito na chapa de Esmerado Tarquínio. Recordo-me que faltando uma semana para a eleição, Lara (PMDB) detinha confortável vantagem sobre os demais candidatos. Entretanto, devido à qualidade do material publicitário de sua campanha eleitoral, Rogê Ferreira (presidente do PDT), juntou um kit desse material gráfico e levou ao juiz eleitoral, denunciando o candidato como financiado pelo grupo “Viação”, que detinha o monopólio do transporte coletivo na região. Essa representação foi o bastante para reverter a expectativa de sua eleição, beneficiando Oswaldo Justo, cujo material publicitário tinha características artesanais, dando a impressão de custo bem menor.

Macuco Blog | Passados 30 anos, em sua avaliação o que mudou na sociedade santista em termos de mobilização popular, de participação na política? 
 
Nobel Soares | Após 30 anos do retorno da autonomia de Santos, podemos afirmar que nos primeiros momentos registrou-se um crescimento da participação popular e dos movimentos populares influenciando a administração municipal. Contudo, a partir do fracionamento das operações portuárias, em decorrência da denominada “lei de modernização dos portos” [em vigência desde 1993], verificou-se uma queda vertiginosa da mobilização do movimento sindical, refletindo numa espécie de indiferença das pessoas com os rumos da administração municipal. Observo que este esfriamento da luta sindical se dá em nível nacional, a partir do aparelhamento das centrais sindicais pelo governo federal, mediante a transferência de elevados recursos do FAT [Fundo de Amparo ao Trabalhador] para gerenciamento pelos seus dirigentes, cuja indiferença se reflete em nível local. As mudanças desejadas pela população serão fruto de sua atuação no interior das organizações populares e dos sindicatos obreiros, sem o que de nada teria valido a luta pelo fim da ditadura militar e pelo retorno da autonomia política de Santos.

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